segunda-feira, 18 de abril de 2011

Formação Territorial de São Paulo (Capital)

Nesta segunda-feira (18/04), recebi dica de uma colega da USP sobre um documentário  chamado ENTRE RIOS, que trata do planejamento territorial da cidade de São Paulo durante os últimos séculos.


Em cerca de 25 minutos de filme são demonstrados alguns dos processos que  participaram da gênese dos congestionamentos e das enchentes que acometem, frequentemente, a população paulistana.  Como é mostrado, o planejamento da cidade foi resultante de determinadas escolhas políticas que orientaram soluções técnicas duvidosas, para ampliar o aproveitamento dos espaços da cidade. Foram elas que originaram muitos dos problemas que a metrópole enfrenta na atualidade.  Demonstra-los é, dentre outros, o grande mérito do documentário. 


A origem dos alagamentos que provocam tantos danos e sofrimentos aos paulistanos não se encontra nos fenômenos da natureza (chuvas atípicas ou em excesso, como sempre defendem os prefeitos), e sim na opção por um planejamento que se fez, em tempos pretéritos, para organizar a cidade a partir de interesses particulares, em detrimento de um espaço público para todos.

Outras questões também mostradas:
- Uso dos rios e a formação do primeiro núcleo urbano da cidade de São Paulo;
- Planejamento, as técnicas e interesses econômicos na ocupação das várzeas dos rios;
- O embate entre Saturnino de Brito e Prestes Maia na configuração das estruturas da cidade de São Paulo;
- Mecanismos da especulação imobiliária.

Disponibilizo aqui o link do documentário para quem se interessar:


Para quem vive em São Paulo, ou tem interesse pelos processos históricos e geográficos que resultaram na cidade atual, vale a pena ver!

domingo, 10 de abril de 2011

Sistemas de Movimento do Território Brasileiro

A realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil, eventos esportivos de grande monta, e que colocaram o país sob os holofotes internacionais, têm provocado muitas dúvidas acerca de nossa infra-estrutura - se irá comportar o aumento da demanda nos aeroportos,  dentre outras formas de transporte como o intraurbano,  e se conseguirá suportar o maior fluxo que muito em breve deverá ocorrer.

 

Faltando somente três anos para a realização da Copa e cinco para as Olimpíadas do Rio de Janeiro (2014 e 2016, respectivamente), é cada vez maior o número de pessoas que viajam de avião, com crescimento exponencial nos últimos anos.

O total de pessoas transportadas pelas cias aéras atingiu 66 milhões de passageiros em 2010 – tendo aumentado 115% em oito anos, superando o número de pessoas transportadas por ônibus. Como fatores desse aumento, encontram-se algumas das conquistas da última década: a melhoria da renda de milhões de brasileiros – a emergência da chamada nova classe média (estimada em cerca de 100 milhões de brasileiros!), e uma melhor correlação entre o custo da viagem de ônibus em comparação com a de avião.

Apenas para exemplificar: uma viagem entre São Paulo e fortaleza, trajeto feito em cerca de 4 horas de avião (3 horas e meia hora de voo mais meia hora para embarque), pode levar até 50 horas de ônibus. Uma passagem aérea pode sair até por 348 reais (cotação feita pela TAM, trecho Cumbica-Fortaleza-Cumbica para ida em 17/maio e retorno dia 21), se adquirida antecipadamente, ao passo que o bilhete do ônibus não sai por menos de 658 reais ida e volta (cotação feita pela Viação Itapemirim com partida em 18/maio e chegada em Fortaleza em 20/maio).

 
O transporte por avião - relevante conquista da humanidade para transposição de grandes distâncias, é imprescindível para o Brasil, por conta de suas dimensões continentais o uso de aviões para garantir a rápida mobilidade de sua população é fundamental. Entretanto, há muito para ser melhorado, em relação às características atuais do modal aeroviário.

Há, praticamente, um oligopóplio no uso do espaço aéreo brasileiro por apenas duas companhias – TAM e Gol. A chegada da Azul, ainda bastante tímida, mas com participação crescente, ainda não alterou o quadro desse domínio do transporte aéreo por apenas duas empresas. Há ainda grande lacuna que deve ser coberta pela aviação regional, que poderia promover maior integração entre lugares com distâncias intermediárias.





Na situação atual, temos exemplos absurdos – por exemplo de Teresina para São Luís, utilizando-se a TAM, os voos obrigatoriamente dirigem-se primeiro a Brasília, um tipo de capital das conexões aeroviárias do Brasil, por conta de sua posição geográfica privilegiada. Nesse caso não se privilegia a menor distância sobrevoada ou o menor tempo de deslocamento, mas a lógica econômica de concentração dos passageiros em poucas rotas e, consequentemente, a maximização dos lucros.
 
No entanto, mesmo com a entrada de novas companhias áereas, tudo indica que nos aproximamos dos limites da ampliação do transporte aéreo, principalmente, por duas condições principais:
  1.  O esgotamento da atual capacidade aeroportuária brasileira em todas as capitais das unidades federadas;
  2. Os custos crescentes das cias aéreas para manutenção de grandes frotas (combustível, manutenção).
Essas condições conjunturais têm criado as condições para projetos de transporte de passageiros sobre trilhos. Com décadas de atraso em relação a outros países continentais do mundo (como os EUA, a Rússia e a China, por exemplo) o transporte ferroviário parece ser a opção mais viável para atender a mobilidade de massas cada vez maiores de brasileiros, com custo e tempo de deslocamento intermediário entre o avião e o ônibus.

Desde as privatizações dos anos 1990 que enterraram de vez a estrutura ferroviária brasileira de transporte de passageiros, já moribunda há muito tempo pela falta de investimento e modernização tecnológica, fato lamentável e produto de uma opção política, sem visão de futuro, na época, pela opção rodoviarista, tem sido necessária a discussão pela opção ferroviarista.

Com diversas opções de transporte de passageiros sobre trilhos (metrôs, Veículos Leves sobre Trilhos-VLTs e trens de alta velocidade, os famosos trens-bala) em tecnologias que avançaram acompanhando as transformações do período contemporâneo, a opção por este modal de transporte traria várias vantagens para o Brasil.
 
Além de um substituto intermediário para o transporte aeroviário, já próximo do esgotamento, para conexões de médias e longas distâncias, o modal ferroviário seria também uma excelente opção para as grandes cidades e capitais brasileiras.

As metrópoles brasileiras agonizam, cotidianamente, afogadas por milhões de automóveis, tornando-se cada vez mais lentas.  Diversos especialistas defendem a urgente e necessária ampliação do metrô e a implantação de outras modalidades sobre trilhos já utilizadas há décadas na Europa e Japão como os VLTs.



A necessária decisão política é fundamental para a implementação do modal ferroviário no território brasileiro de forma mais significativa. Para que ela aconteça, será necessário transpor alguns obstáculos. O primeiro será superar os lobbies das construtoras e  indústria automobilística. O segundo, não menos importante, a alocação dos recursos financeiros necessários para garantir a implementação técnica, sem descuidar de outras áreas prioritárias para a população brasileira (saúde e educação, por exemplo). O atendimento das demandas por transporte, presentes e futuras, dependerão de um  amplo debate e da elaboração de um projeto que responda às necessidades do território brasileiro.

terça-feira, 5 de abril de 2011

São Paulo - Condomínios Fechados e a Anti-Cidade

Em uma viagem a trabalho para Teresina quando viajava sozinho, como sempre faço, diante do enorme atraso da companhia áerea, uma senhora  que estava no assento vizinho ao meu puxa conversa e, assim, pude saber que se tratava de uma cidadã do Morumbi, famoso bairro nobre da Zona Oeste paulistana.  Diante do atraso de várias horas de nosso voo, foi providencial ocuparmos nosso tempo trocando algumas ideias sobre a metrópole em que vivemos.

Foi quase natural cairmos no tema violência urbana - e suas múltiplas faces. Dizia ela que vive em um belo condomínio, em agradável apartamento, metragem superior à média (em São Paulo predominam apartamentos de dois dormitórios), com área de lazer com piscina, jardins e uma bela vista da cidade de São Paulo. O único problema era "o entorno".

Entende-se por entorno, no caso, as várias comunidades e favelas pobres localizadas no Morumbi que, juntamente com os imóveis de alto padrão do distrito, caracterizam algumas das paisagens das maiores desigualdades da cidade de São Paulo. Como exemplo temos Paraisópolis, localizada no coração do Morumbi.





                                          Foto: Contraste entre condomínios de alto padrão e Paraisópolis no Morumbi - SP.

Aquela notável moradora narrava aspectos interessantes, para um pesquisador do tema da segurança pública e justiça, sob o ponto de vista de um morador de condomínio fechado que, como um peixe em seu meio de vida, parece não conseguir perceber as diferentes tonalidades da água ao seu redor. Entusiasmada por contar detalhes de seu cotidiano, no esforço de se desfazer do peso do tempo lento da espera, ela descrevia de modo vivaz aspectos de sua vida que foram como um presente para compensar o cansaço e aborrecimento causados pelo atraso do voo. Suas palavras  provocavam interferência na percepção do tempo, quase que fazendo com que não percebessemos sua teimosia em fazer avançar os ponteiros do relógio.

Diante do questionamento da aparência artificial e do forçado isolamento no qual vivem os moradores de condomínios fechados, ela argumentou que no seu caso, e de seus vizinhos, era diferente. Porquê eles podiam desfrutar de momentos agradáveis em uma praça próxima à sua morada, cuidadosamente mantida pela vizinhança (outros condomínios) que custeavam, além da infra-estrutura e da limpeza, alguns carros de vigilância privada que nela ficavam permanentemente. Assim, me dizia ela, era possível caminhar naquela praça, tão bela, arborizada, higiênica, cuidadosamente vigiada por três ou quatro carros de segurança privada, estrategicamente localizados em seus cantos, de forma bastante segura.

Tendo sido a questão resolvida, a do lazer sob uma "pax armada", restava um outro problema. Este sim, de difícil solução. Para deixar os filhos na escola, ela deve percorrer uma distância maior do que a necessária, caso pudesse ir pelo trajeto mais curto.  O mais curto, contava ela amargurada, obrigava os moradores das áreas nobres a cruzarem o interior de uma favela. E a sofrerem, possivelmente, a violência dos seus habitantes. 

- Uma vez, resolvi fazer esse percurso, e vi uma pessoa, a do carro da frente, sendo assaltada. Por isso, nunca mais utilizei aquele caminho.

Apesar do desencontro das estatísticas oficiais, pode-se afirmar que é bastante significativo o número de assaltos que acontecem no Morumbi, um dos distritos de São Paulo onde a desigualdade socioespacial é mais aguda. A expressão da riqueza pela ostentação de apartamentos e casas de altíssimo padrão, contíguos a enormes favelas é situação corriqueira naquela região da cidade já há algumas décadas. Apesar de ser tentadora a correlação entre pobreza e violência urbana, as pesquisas mais sérias parecem demonstrar que as causas da criminalidade e violência nos lugares da cidade é muito mais complexa do que as desigualdades de renda e uma "criminalidade nata", como preconceituosamente preconizam aqueles que expressam um pensamento reacionário.

Não faz muito tempo que a ideia de gueto - subespaços para exclusão social e/ou racial - abalava os ideários de uma cidade mais democrática e plural. Exemplos não faltam, como os guetos dos negros norte-americanos até os anos 1960 do século XX ou, pouco antes, aqueles para confinamento forçado dos judeus durante a Segunda grande guerra. Hoje, pelo medo da violência e dos pobres, substituindo aqueles velhos preconceitos, a auto-segregação pelo medo tem ganhado força, principalmente, dentre as classes mais privilegiadas.

Há outros lugares em São Paulo, e deve haver centenas pelo resto do Brasil, que poderiam servir-se do mesmo exemplo da moradora do Morumbi. Eles, lugares da auto-segregação, através de enormes gastos com vigilância e controle, mantém em seu interior uma população homogênea que sente-se mais segura convivendo, apenas, com seus iguais.

Além do fermento depositado nas brechas dessas anti-cidades pelas empresas de segurança interessadas em venda de equipamentos (cercas elétricas, câmeras, alarmes, sensores) e manutenção de escoltas armadas, também importa saber porquê as pessoas, alienando-se, contrariando a própria ideia de cidade como espaço de convivência da sociodiversidade passam a viver seu cotidiano de modo fragmentado, sempre com medo, sem ao menos se questionarem acerca das verdadeiras origens desses medos. E se mobilizarem para verdadeiramente constituir uma cidade mais plural. Portanto, uma cidade para todos.

Provavelmente, em termos econômicos, custaria menos para as classes mais ricas resolver o problema das desigualdades do que o ônus que já possuem para manter esse aparato inchado de segurança, alimentando a ilusão de que isolados encontram-se mais protegidos, mais seguros, mais felizes.

Resta-nos saber as origens dessa irracionalidade, em detrimento da escolha consciente por uma cidade que abrigue a todos, do melhor modo que o mundo contemporâneo possibilita, indiscriminadamente.


                                           Foto: Favela de Paraisópolis no Morumbi.