terça-feira, 5 de abril de 2011

São Paulo - Condomínios Fechados e a Anti-Cidade

Em uma viagem a trabalho para Teresina quando viajava sozinho, como sempre faço, diante do enorme atraso da companhia áerea, uma senhora  que estava no assento vizinho ao meu puxa conversa e, assim, pude saber que se tratava de uma cidadã do Morumbi, famoso bairro nobre da Zona Oeste paulistana.  Diante do atraso de várias horas de nosso voo, foi providencial ocuparmos nosso tempo trocando algumas ideias sobre a metrópole em que vivemos.

Foi quase natural cairmos no tema violência urbana - e suas múltiplas faces. Dizia ela que vive em um belo condomínio, em agradável apartamento, metragem superior à média (em São Paulo predominam apartamentos de dois dormitórios), com área de lazer com piscina, jardins e uma bela vista da cidade de São Paulo. O único problema era "o entorno".

Entende-se por entorno, no caso, as várias comunidades e favelas pobres localizadas no Morumbi que, juntamente com os imóveis de alto padrão do distrito, caracterizam algumas das paisagens das maiores desigualdades da cidade de São Paulo. Como exemplo temos Paraisópolis, localizada no coração do Morumbi.





                                          Foto: Contraste entre condomínios de alto padrão e Paraisópolis no Morumbi - SP.

Aquela notável moradora narrava aspectos interessantes, para um pesquisador do tema da segurança pública e justiça, sob o ponto de vista de um morador de condomínio fechado que, como um peixe em seu meio de vida, parece não conseguir perceber as diferentes tonalidades da água ao seu redor. Entusiasmada por contar detalhes de seu cotidiano, no esforço de se desfazer do peso do tempo lento da espera, ela descrevia de modo vivaz aspectos de sua vida que foram como um presente para compensar o cansaço e aborrecimento causados pelo atraso do voo. Suas palavras  provocavam interferência na percepção do tempo, quase que fazendo com que não percebessemos sua teimosia em fazer avançar os ponteiros do relógio.

Diante do questionamento da aparência artificial e do forçado isolamento no qual vivem os moradores de condomínios fechados, ela argumentou que no seu caso, e de seus vizinhos, era diferente. Porquê eles podiam desfrutar de momentos agradáveis em uma praça próxima à sua morada, cuidadosamente mantida pela vizinhança (outros condomínios) que custeavam, além da infra-estrutura e da limpeza, alguns carros de vigilância privada que nela ficavam permanentemente. Assim, me dizia ela, era possível caminhar naquela praça, tão bela, arborizada, higiênica, cuidadosamente vigiada por três ou quatro carros de segurança privada, estrategicamente localizados em seus cantos, de forma bastante segura.

Tendo sido a questão resolvida, a do lazer sob uma "pax armada", restava um outro problema. Este sim, de difícil solução. Para deixar os filhos na escola, ela deve percorrer uma distância maior do que a necessária, caso pudesse ir pelo trajeto mais curto.  O mais curto, contava ela amargurada, obrigava os moradores das áreas nobres a cruzarem o interior de uma favela. E a sofrerem, possivelmente, a violência dos seus habitantes. 

- Uma vez, resolvi fazer esse percurso, e vi uma pessoa, a do carro da frente, sendo assaltada. Por isso, nunca mais utilizei aquele caminho.

Apesar do desencontro das estatísticas oficiais, pode-se afirmar que é bastante significativo o número de assaltos que acontecem no Morumbi, um dos distritos de São Paulo onde a desigualdade socioespacial é mais aguda. A expressão da riqueza pela ostentação de apartamentos e casas de altíssimo padrão, contíguos a enormes favelas é situação corriqueira naquela região da cidade já há algumas décadas. Apesar de ser tentadora a correlação entre pobreza e violência urbana, as pesquisas mais sérias parecem demonstrar que as causas da criminalidade e violência nos lugares da cidade é muito mais complexa do que as desigualdades de renda e uma "criminalidade nata", como preconceituosamente preconizam aqueles que expressam um pensamento reacionário.

Não faz muito tempo que a ideia de gueto - subespaços para exclusão social e/ou racial - abalava os ideários de uma cidade mais democrática e plural. Exemplos não faltam, como os guetos dos negros norte-americanos até os anos 1960 do século XX ou, pouco antes, aqueles para confinamento forçado dos judeus durante a Segunda grande guerra. Hoje, pelo medo da violência e dos pobres, substituindo aqueles velhos preconceitos, a auto-segregação pelo medo tem ganhado força, principalmente, dentre as classes mais privilegiadas.

Há outros lugares em São Paulo, e deve haver centenas pelo resto do Brasil, que poderiam servir-se do mesmo exemplo da moradora do Morumbi. Eles, lugares da auto-segregação, através de enormes gastos com vigilância e controle, mantém em seu interior uma população homogênea que sente-se mais segura convivendo, apenas, com seus iguais.

Além do fermento depositado nas brechas dessas anti-cidades pelas empresas de segurança interessadas em venda de equipamentos (cercas elétricas, câmeras, alarmes, sensores) e manutenção de escoltas armadas, também importa saber porquê as pessoas, alienando-se, contrariando a própria ideia de cidade como espaço de convivência da sociodiversidade passam a viver seu cotidiano de modo fragmentado, sempre com medo, sem ao menos se questionarem acerca das verdadeiras origens desses medos. E se mobilizarem para verdadeiramente constituir uma cidade mais plural. Portanto, uma cidade para todos.

Provavelmente, em termos econômicos, custaria menos para as classes mais ricas resolver o problema das desigualdades do que o ônus que já possuem para manter esse aparato inchado de segurança, alimentando a ilusão de que isolados encontram-se mais protegidos, mais seguros, mais felizes.

Resta-nos saber as origens dessa irracionalidade, em detrimento da escolha consciente por uma cidade que abrigue a todos, do melhor modo que o mundo contemporâneo possibilita, indiscriminadamente.


                                           Foto: Favela de Paraisópolis no Morumbi.

3 comentários:

  1. na realidade nossos governantes deixaram a desejar no quesito seguranca em nosso pais e deu no que esta ai

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  2. parabéns pelo texto! é um assunto precioso.
    estou pesquisando matérias sobre ocupação urbana para escrever artigos de sociologia. posso citar seu post em algum deles?

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    1. Claro, fique à vontade para utilizar o texto como quiser! Bom trabalho na escrita dos artigos. Um abraço, James

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