domingo, 29 de maio de 2011

Desigualdades Socioespaciais, Segurança Pública e Violência no Brasil


É quase imediata, para a maioria das pessoas, a associação entre segurança pública e polícia. E sempre associa-se que melhorias na Segurança Pública viriam pelo aumento do contingente policial, e por maior presença da polícia nas ruas e bairros, ou pela modernização da polícia (mais armas, viaturas, dentre outros equipamentos).

Deste modo, em decorrência do bombardeio cotidiano promovido pela mídia conservadora, faz-se uma associação falaciosa entre densidade técnica, policial, repressora, com uma sociedade menos violenta, ou seja, mais segura. 

Outra associação  quase automática é entre crime e violência.  Considerando-se o ato criminoso como a ação  da ilegalidade banal do imaginário popular, do senso comum que a  grande mídia criou e alimenta, parece haver uma fé quase cega em soluções questionáveis, mas colocadas em prática  na Segurança Pública no Brasil. E, apesar de uma quase hegemonia na tomada de decisões pela maioria das esferas e órgãos do Governo, nos últimos anos, a violência só tem se agravado.

Este agravamento da violência promove diversas mobilizações, como aquela dos dias 13 e 15 de maio em Taguatinga (DF), onde ocorreu o 5º Fórum Brasileiro de Segurança Pública,-FBSP. Pelo quinto ano consecutivo, agora próximo à capital do país, o FBSP reuniu profissionais da Segurança Pública, principalmente aqueles ligados às forças policiais, mas também pesquisadores e gestores públicos de várias regiões e estados brasileiros. 

Esperava-se mais do FBSP na troca de experiências em busca por soluções para Segurança Pública no país. Nas mesas  que participei, quase sempre, predominaram exposições meramente técnicas, onde as questões estruturais e os processos geradores das desigualdades socioespaciais no Brasil estiveram ausentes. 

Representantes de municípios (Secretários, Delegados de Polícia, Diretores de Guardas Municipais e também pesquisadores), quase sempre, deram o tom uníssono da tábua de salvação da Segurança Pública pela ortopedia da técnica, pela modernização tecnológica fundamentada em uma racionalidade econômica de aumento dos gastos na área de segurança que interessa, principalmente, aos fabricantes dessas tecnologias e a seus revendedores.

Houve veementes defesas pelo aumento dos gastos na área policial (a Polícia Militar de São Paulo já consome cerca de 8 bilhões de reais por ano, ou seja, cerca de 10 vezes mais o que  o estado gasta com pesquisa!) para modernização do armamento das polícias,  compra de câmeras para monitoramento de pontos no território das cidades e, caso raro, mas também presente, montagem de sistemas de informação para apoio à tomada de decisão para planejamento das forças policiais.

Um exemplo foi dado pela própria Secretaria Nacional de Segurança Pública-SENASP, cujo esforço maior , na atualidade, não é a discussão de uma política de segurança pública que considere a realidade violentamente desigual do território brasileiro, e as condições de vida se seus cidadãos, mas sim a montagem de banco de dados sobre crimes em escala nacional e estadual, empobrecendo a discussão para uma questão meramente técnica e conjuntural.

Outro exemplo foi dado pelo Secretário de Segurança de São Bernardo do Campo, município com importante circuito industrial na Região Metropolitana de São Paulo. O ilustre senhor apontou que negocia com uma empresa estrangeira a montagem de um sistema de segurança no território do município orçado em mais de 20 milhões de reais! As promessas tanto da autoridade municipal  quanto das empresas, com auxílio de modernas tecnologias, vão desde a detecção de pessoas com comportamento suspeito, pelas ruas do município, até a vigilância de caminhões clandestinos que depositam entulho nas áreas de manancial do município do grande ABC.

A busca por uma solução técnica, possível de ser comprada,  enfeitiça, e impede que as verdadeiras causas do problema sejam vistas. A fundação de uma sociedade onde, desde suas origens, estimulou-se a competitividade e a lei do mais forte; a violência estrutural, cujas misérias e profundas desigualdades socioespaciais violentam, cotidianamente, milhões de brasileiros. Onde a moral dos de cima, dos políticos corruptos e das empresas cuja lei máxima é o lucro, exige o assassinato diário da moral, com a destruição dos laços de solidariedade e uma inversão de valores. E onde a vida humana, quase sempre, é colocada em planos inferiores àqueles do dinheiro e da mercadoria. E à violência invisível ocasionada pela brutal concentração de riquezas, em um país que, sendo um dos 10 mais ricos do mundo, concentra mais de 60 milhões de brasileiros em condições de pobreza e miséria!

As soluções para a violência não são simples, mas é preciso buscar os remédios corretos. E o principal não é uma ampliação das técnicas e tecnologias repressoras, que instalam-se de forma concentrada e, contraditoriamente aos desejos dos donos do poder e do dinheiro, aumentam ainda mais as diferenças entre pessoas e lugares, pois mais separam do que unem, contrariando a própria ideia da vida em sociedade.

É urgente que se discutam os fundamentos e estruturas nos quais se apoia as desigualades socioespaciais na sociedade brasileira: a violência cotidiana; a justiça desigualitária, aquela dos juízes conservadores que melhor servem aqueles que  mais podem; a corrupção política; a brutalidade policial e o desmonte do sistema de proteção aos desfavorecidos pelo sistema político econômico vigente no país, com a precarização da saúde, da educação e da moradia de milhões de pessoas.

Enquanto os pilares da civilização brasileira encontrarem-se apoiados nas lógicas da competitividade, do dinheiro e da corrupção, a sociedade continuará a ser violenta. E não serão as câmeras ou as armas que impedirão a escalada desse processo, que encontra sua razão de ser nas escolhas políticas. e nas desigualdades. Portanto, faz-se fundamental a discussão de uma nova política, e a construção de um país onde a justiça socioespacial esteja  presente em todas as classes sociais e em todos os lugares, independentemente da origem, do sobrenome ou da renda das pessoas que neles vivem.

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